Há sete anos acompanho o SXSW, seja lá em Austin, Texas, ou online, e adoro o propósito do festival de combinar conteúdos sobre inovação, tecnologia e comportamento humano.
É bem interessante refletir sobre a evolução, ano a ano, do foco central que acaba permeando o vasto cardápio de palestras do festival.
Em 2019, na minha estreia na plateia do SXSW, o impacto das redes sociais sobre a saúde mental e sobre a privacidade dos dados das pessoas já dominava a agenda, com debates pilotados, inclusive, por profissionais renomados que acabaram “mudando de lado” ao avaliarem os danos gerados pelos modelos que eles ajudaram a construir. Confesso que fiquei surpresa, não imaginava que, no país berço das big techs, um festival de inovação dedicaria tanto espaço para esse debate.
Uma das palestras sempre mais esperadas é a da futurista Amy Webb, que lança, no festival, o seu relatório anual de tendências – o Tech Trends Report. Dessa vez, Amy falou sobre a inteligência viva, projetando para um patamar sem precedentes a transformação que a IA pode provocar sobre todos nós. A futurista sempre traz opções de cenários, uns mais críticos do que os outros. E gosta de frisar que a decisão sobre qual deles vai se concretizar segue na mão das pessoas (penso que, infelizmente, cada vez em menos mãos…).
Pois bem, ao terminar de assisti-la, dessa vez online, me bateu uma angústia. Lembrei das suas palestras nas edições passadas do SXSW e me dei conta de que a humanidade ainda não resolveu as questões mais graves apontadas ano a ano pela futurista e que nos levariam (ou levarão?) aos cenários mais críticos desenhados em seus relatórios.
Em 2019, por exemplo, senti o auditório principal do SXSW inteiro congelar (eu, também), quando Amy decretou que a única fronteira de privacidade até então ainda não explorada pelas big techs era a dos dados do nosso corpo humano. E nos convidava a viajar para uma realidade crítica, nos quais um simples micro-ondas da nossa casa se recusaria a cozinhar um determinado alimento, porque teria a informação de que a gente estava acima do peso. E projetava esse contexto, por exemplo, para o segmento de planos de saúde, que, de antemão, passariam a recusar clientes, por terem acesso prévio ao seu histórico de saúde. Nesse cenário futuro, ter os dados do seu organismo protegidos seria o principal fator de diferenciação de nível social.
Já em 2023, a futurista nos estimulou a não fugir da inevitável IA generativa, porque aprender como lidar com ela seria o único caminho para navegarmos melhor nessa gigantesca e nova disrupção. Mas, novamente, alertou para o risco futuro de uma nova onda de exclusão social, especialmente em sociedades que não investirem na capacitação das pessoas para essa transição.
A humanidade avançou significativamente nessas agendas?
A própria questão sobre mídias sociais e saúde mental, que dominou a edição de sete anos atrás do festival, segue sem avanços muito concretos em todo o mundo.
E, agora em 2025, o tema voltou ao festival sobre outra perspectiva, a da “epidemia da solidão” abordada por vários palestrantes, entre eles, @Scott Galloway, professor da New York City University (NYC).
Mas, houve também espaço para o seu “antídoto”, simples e quase óbvio, batizado de “saúde social”. A cientista social @Kasley Killam trouxe dados para nos lembrar que a qualidade das nossas relações com outras pessoas é vital para o bem-estar, como o exercício físico e a alimentação.
Como também gosta de concluir outro veterano do festival, @Rohit Bhargava, “pessoas que entendem as pessoas sempre vencem”.
Termino esse texto renovando a minha esperança de que, em meio à essa gigantesca transformação tecnológica, e a todos os desarranjos que ela costuma provocar, aumentem as vozes e as decisões sobre como fazer prevalecer, o que, no final das contas, penso que deveria importar: o bem estar das pessoas.
E entendo que, cada de um nós, no nosso “quadrado”, pode influenciar para que isso aconteça.
Carina Almeida, Sócia-Presidente da Textual