Quando vi que “permacrise” foi eleita a palavra de 2022 pelo dicionário europeu Collins, percebi o quanto as feridas de 2020 ainda não cicatrizaram com o final daquele ano inaugural da pandemia. Depois de permanecer num estado constante de atenção, o que fica é mais do que uma exaustão, mas aquilo que é consequência da situação de estar “no limite” por muito tempo. O que vem depois?
“Permacrise é a sensação de viver em um período prolongado de instabilidade e insegurança”
Mirando a recuperação da estabilidade e segurança, o debate público de 2023 tende a envolver as seguintes questões macro:
Mas, no fundo, o que está em jogo são: 1. Atividade econômica e 2. Segurança e estabilidade. Se a pauta da empresa conversar com um desses dois pontos, aumentam as chances de conseguir ser ouvida e fazer a diferença na discussão.
Por “atividade econômica” estamos falando de investimento, empregabilidade, relações trabalhistas, poder de compra, queda no número de endividados, aceleração da economia; assim como “segurança e estabilidade” é também sobre cobertura vacinal, fim da fome, queda nos índices de violência, diminuição do nem-nem (nem estuda, nem trabalha), recuperação dos indicadores de educação, iniciativas de proteção ao meio ambiente etc.
Os problemas revelados pela pandemia – e não apenas os causados pela Covid-19 – aparentam ser tão grandes e complexos que podem vir a causar paralisia, justamente pelas pessoas não saberem por onde começar, como referenciou a CEO da Textual, Carina Almeida.
A organização das ações fica a cargo das autoridades e empresas que se propõem a ser agentes da mudança. É tarefa da comunicação organizar a narrativa dessas ações para conquistar o engajamento necessário rumo ao desenvolvimento social, econômico e sustentável.
Novos comportamentos geram novas demandas e estamos conectados com as necessidades e urgências do ambiente corporativo como letramento racial, de sustentabilidade e diversidade; engajamento de colaboradores; vídeos; empoderamento das lideranças dos decks de mensagens; definição de narrativas claras; conteúdos que tragam os porquês; entre outros relevantes pontos de virada.
Pensando nisso, organizamos aqui as 10 tendências para 2023 onde a comunicação terá um papel ativo.
Os comportamentos adquiridos na pandemia entraram para a rotina e agora passamos da adaptação e uso da tecnologia como necessidade para uma necessidade-desejo, necessidade-vontade. Metaverso, NFT, blockchain, Web 3 e cidades inteligentes são alguns dos termos que compõem o mantra do que vem no próximo capítulo das tecnologias. Mas o que muda o jogo é o que elas potencializam e a mudança de comportamento embutida na adesão ao novo processo. Quer um exemplo? Flertamos mais com serviços por assinatura em detrimento da posse. Não assinamos mais apenas serviços de conteúdo streaming, jornais, newsletters e canais de influenciadores; agora consideramos a assinatura de objetos. Assinamos carros.
O derretimento das bigtechs e as demissões nas startups também acendem um alerta de que o modelo de negócios das techs talvez precise ser revisitado. Por outro lado, é grande o potencial dessas iniciativas e laboratórios de inovação quando acoplados às grandes empresas.
As novas competências necessárias para o trabalho no pós-pandemia também ganharam as manchetes em 2022. Para o próximo ano, entra de vez no calendário das empresas a capacitação dos colaboradores, abraçando a divisão da responsabilidade pelo tão celebrado lifelong learning.
Questões de trabalho remoto, da saúde e bem-estar dividem espaço com a busca pelo propósito também nessa área da vida, como a culminação de um mix geracional que tende a se sentir motivado e engajado com causas e serviços em que acredita.
Esse engajamento é justamente o que tem despertado as empresas. O discurso do propósito, do ESG, da diversidade e dos valores da companhia não devem estar apenas com as lideranças (cada vez mais atentas a endereçar as mensagens-chave em todas as speaking opportunities), mas com todos os colaboradores. São eles que efetivamente vivenciam, experenciam e carregam os valores da empresa para fora dela, contando para mais pessoas – até para o próprio cliente final nos pontos de contato – todas as ações positivas e propositivas que tanto reforçamos no dia a dia da comunicação.
O jeito de engajar os colaboradores está mudando e, nesse sentido, o PR é uma das grandes frentes de inovação do RH.
Contar com colaboradores falando sobre valores e programas da empresa deve passar a ser cada vez menos “sem querer”. Esse movimento de comunicar todos da companhia quais são os propósitos, objetivos, programas e metas corporativas concretas deve ser cada vez mais proliferado por meio de treinamentos e sensibilizações, de forma a trazer argumentos para que os funcionários também ampliem essa visibilidade “de propósito”.
Esse tópico traz, ainda, uma outra questão para as companhias, que é o letramento. Nem todas as pessoas sabem o que é pegada de carbono ou estão versadas em terminologias específicas de diversidade e letramento racial. Para que todos entendam o valor das ações, necessário se torna deixar todo mundo na mesma página para que avancemos juntos nessa agenda.
Segundo a Deloitte, 66% dos colaboradores das marcas de alto crescimento enxergam o propósito como guia para tomada de decisão. E pensando no público final, a compra local acontece com base em um pensamento global. Conforme aponta o relatório de Tendências Globais de Consumo para 2023 da Mintel, 62% dos brasileiros acreditam que se agirem agora, ainda dá tempo de salvar o planeta, por exemplo. Nesse cenário, as marcas que se comprometem ganham cada vez mais vantagem competitiva.
O nível de compromisso ESG das empresas vem afetando as decisões de compra. Segundo o EY Future Consumer Index, brasileiros estão priorizando questões ambientais, o que inclui fatores como reciclagem, energia renovável, economia circular, redução do impacto de carbono, crueldade animal, zero desperdício e reflorestamento. ESG é mais do que um mantra nacional, mas uma prioridade global.
A imprensa vem dando visibilidade para investimentos em áreas que reforcem a importância e os valores ESG e os próprios veículos estão abrindo frentes editoriais sobre o assunto.
Dentro do ESG temos o “S”, de social, que merece um destaque próprio. O assunto vem amadurecendo e as empresas são cada vez mais cobradas por dados sobre representatividade interna e ações propositivas para equilibrar seus números de diversidade.
Campanhas e mailings de trabalho também devem cada vez mais considerar públicos diversos. De acordo com a Deloitte, jovens de 18 a 25 anos consideram mais a publicidade inclusiva para tomar decisão de compra, reforçando uma tendência geracional.
A lei de transparência foi colocada novamente em evidência e compreendemos mais sobre o direito ao acesso aos dados públicos. Nos acostumamos com a existência da LGPD e hoje já entendemos mais, como sociedade, a necessidade de dar consentimento e de se estar em conformidade com o uso pretendido dos nossos dados. O fim dos cookies foi adiado para 2024, porém da mesma forma que não somos mais early adopters em tech, a discussão sobre dados pessoais agora passa para outro patamar: reconhecimento facial, inteligência artificial e racismo algorítmico.
Versar sobre temas complexos e estruturantes da tecnologia e sociedade exigirá da comunicação uma capacidade de conversa que extrapola os termos técnicos e oferece análises mais aprofundadas das consequências de um setup enviesado. As decisões das empresas relacionadas a esses temas merecerão atenção especial das lideranças, assim como narrativa e argumentos consolidados, considerando os pontos técnicos de conflito que influenciam leitura, comportamento e ação.
Nesse bonde dos dados, a própria imprensa está indo além e oferecendo acesso aos dados brutos e/ou documentos referenciais com a origem das informações que fundamentam as reportagens. Não basta ser, mas comprovar transparência para reconquistar a confiança da audiência que, nos últimos anos, se perdeu em meio à chuva de informações provenientes das mais diversas fontes: desde o vizinho, as redes sociais e o WhatsApp, até comentaristas opinativos e influenciadores sem comprometimento com a imparcialidade. Afinal, WhatsApp não é fonte, é meio. E Fake News é uma indústria. Enfim, relembrar as diferenças e processos do fazer jornalístico profissional – um pilar da democracia.
Laboratórios de jornalismo e veículos independentes vêm investimento em diversificar o formato da notícia também como maneira de se afinarem com as expectativas do público.
Veículos também pensarão cada vez mais como em como produtificar o que há dentro de casa. Não apenas como editores de notícias, mas como executivos de empresas de conteúdo e comunicação, com produtos que ofereçam outras soluções além de jornalismo puro, contando com o talento de suas equipes e com aquilo que de melhor fazem (tendência apontada no Innovation In News Media World Report de 2022-2023).
Em 2023, poderemos rumar para um novo padrão de uso das mídias sociais. Foram muitas as variáveis que influenciaram essa estremecida em 2022. Algumas: novos contornos das crises geradas por Fake News e fatores de regulação, queda na receita da Meta, nova fase do Twitter com Elon Musk, marketing de comunidade ao invés de personas, Tiktok superando o Google como buscador das novas gerações e os vídeos dominando a comunicação. Aliás, tendência de vídeos curtos, focada em espalhar a narrativa em diversos canais é bastante influenciada pelo TikTok e o algoritmo de entrega do conteúdo nas plataformas.
Pensando nesse ambiente de rede, os influenciadores têm escolhido mais como e com quem trabalhar. Não apenas por uma questão de receita, mas por eles mesmos terem virado marcas e pelo conhecimento sobre como criar conteúdo de valor para o seu próprio nicho de atuação. O último ano, além de aproximar influenciadores da produção de conteúdo das empresas, muitas vezes conectou ambos de forma permanente, com vínculos profissionais como cargos de diretoria ou consultoria.
A conversa nesse ambiente está cada vez mais “humanizada” e com linguagem próxima ao consumidor. Os snack contents, mais simples e diretos, vêm servindo para ampliar o número de contatos ao longo da jornada do consumidor e maximizar as receitas contando múltiplas e variadas histórias para cada comunidade.
Não estamos falando apenas de podcasts, mas de smart speakers, da forma como conversamos com eles, da internet das coisas (IoT), da smart home e dos jogos streaming. O marketing da interface por Voz de Usuário (VUI) vem chegando de mansinho para impactar a forma como a empresa se comunica e a produção de conteúdo para interações entre usuários e máquinas, segundo confirma a pesquisa da WGSN’s Future Consumer para 2023. Afinal, qual a voz da sua empresa? Qual o gênero da voz de resposta da sua empresa pela Alexa? Como o usuário pergunta sobre a companhia? Quais as respostas que preciso ter? Não será uma mudança repentina, mas está na linha de sucessão. A preparação para a babel dos aparelhos frutos da tão esperada era da internet das coisas deve se dar desde já. Você já transformou suas comunicações em áudio?
Não importa o meio, a relação é com a marca. Quer um exemplo? Não importa se é o Estadão impresso ou online: você dá credibilidade para a marca independente disso.
Os executivos estão apostando nesse tipo de experiência híbrida para garantir consumidores conectados. Segundo pesquisa da Deloitte, entre os principais motivos estão personalização (43%), inovação (43%), conexão com o cliente (40%) e inclusão (38%). No omnichannel, um canal complementa o outro na jornada do cliente, inclusive trazendo experiências ricas para lojas físicas serem ainda mais atraentes.
Nesse sentido, vamos ver cada vez mais o “delivery de tudo” e quando falarmos de negócios online, estaremos indo muito além do e-commerce. O s-commerce é tendência para já. Segundo a Consumer Pulse Survey, da KPMG EUA, o TikTok já é a principal influência de publicidade nas mídias sociais para os Millennials (75%) e a Geração Z (64%) nos Estados Unidos. Além disso, entre 50% e 60% dos consumidores fazem compras às vezes, frequentemente ou sempre a partir de recomendações publicitárias ou em redes.
E o t-commerce ganha contornos mais claros sobre como seria seu funcionamento. As TVs estão preparadas para desenvolver capacidades de publicidade endereçável e expandir seu alcance. Aqui falamos de apps nativos no streaming e emissoras tradicionais que ampliaram as suas formas de entregar conteúdo e, inclusive, trabalhar com o seu casting para distribuição de mensagens em canais diversos.
Ambos ainda propiciam o live commerce D2C (direct to consumer) e o fortalecimento da owned media. E como não considerar que os eventos serão cada vez mais híbridos, mesmo que exclusivos?
Essas foram as tendências para o ano de 2023, que você não deve deixar de considerar no seu planejamento de comunicação. Não é apenas sobre efemérides ou calendário de oportunidades para um plano de ação, mas sobre entender comportamentos para traçar as estratégias, o “como” e os “porquês”.
Lina Garrido