Desde o dia 08 de março, meus dias têm sido inundados de informações e insights sobre o maior festival de inovação do mundo, o SXSW, que acontece todos os anos nos Estados Unidos. Apesar de não estar presencialmente por lá “keeping Austin weird”, tenho a oportunidade de acompanhar grande parte do conteúdo de modo online e via correspondentes especiais, por meio de um time repleto de especialistas que vão compartilhando não somente os insumos, mas insights de suas áreas de atuação, fazendo com que meus horizontes de entendimento sobre aqueles assuntos fiquem ainda mais extensos.
Acompanho quase que em tempo real alguns desses papos e experiências e, acreditem, mesmo à distância, o cérebro parece que vai explodir!
Nossa área de atuação está super bem representada nas discussões. Durante sua palestra, Peter Deng, head do ChatGPT, afirmou que os seres humanos serão cada vez menos produtores de conteúdo e mais curadores. Para ele, um dos ganhos que a inteligência artificial traz é tirar as pessoas do modo de receptores de informações para induzi-las a serem mais questionadoras e curiosas sobre o que elas acessam.
Temos nessa fala nosso primeiro desafio para os próximos anos. Como será o comportamento humano no consumo de notícias, uma vez que as previsões dizem que o conteúdo será produzido via IA? Difícil ter qualquer tipo de resposta neste momento, mas, é uma provocação que deve estar no radar dos profissionais de comunicação.
Complementar a este tópico, no primeiro dia de evento, um dos painéis mais aguardados anualmente é o da MIT Technology Review com o detalhamento de sua tradicional lista com as 10 principais tendências de tecnologia e inovação para ter no radar. E desta vez, Elizabeth Bramson-Boudreau, CEO da Instituição, trouxe um tópico extra para a abertura de seu discurso: um apelo em prol do jornalismo.
Antes de apresentar os itens que compunham a lista, como Apple Vision Pro, tratamento de edição de genes e células solares, ela pediu um espaço para falar que a indústria jornalística se encontra em colapso. Entre os exemplos citados a fim de validar seu alerta, está o fim da National Geographic nas bancas, a extinção da edição impressa da Popular Science e a redução de jornalistas com especialidade de temas, como tecnologia.
Na visão de Elizabeth, isso aconteceu, em partes, porque o investimento em publicidade nos veículos diminuiu de maneira brusca e passou a ser realocado nessas plataformas virtuais, impossibilitando o financiamento do jornalismo das redações. Uma das soluções apresentadas pela especialista foi uma súplica para que os leitores paguem por conteúdo produzido por jornalistas, valorizando o trabalho de apuração e confecção de materiais de qualidade feito nas redações.
Além do apelo, a CEO do MIT Technology Review trouxe alguns tópicos relacionados à saúde que devem se destacar nos próximos meses. Entre eles, vale dar luz aos medicamentos para perda de peso, foco de discussões em diferentes países desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a obesidade como uma epidemia contínua em 2021.
A indústria farmacêutica tem apostado em tratamentos promissores, como os bem disseminados Mounjaro e Wegovy, do mesmo princípio ativo do Ozempic, que tem como efeito o esvaziamento mais lento do estômago, deixando a sensação de saciedade prolongada, ação com o potencial de trazer resultados drásticos para seus usuários. Uma ressalva precisa ser feita – Estamos falando do uso recomendados por médicos, ok? A automedicação envolvendo esses fármacos (ou quaisquer outros) continua sendo um problema.
Saúde mental também foi amplamente abordada. A Dra. Laurie Santos, professora de psicologia da Universidade de Yale e do famoso curso “The Science of Well Being”, deixou clara a relação entre bem-estar pessoal e o quanto isso impacta a lucratividade das empresas. Isso porque quanto melhor o colaborador está em sua vida privada, mais aumenta sua produtividade e, consequentemente, o lucro das companhias, compartilhando dados que comprovam essa relação. Entre as frases mais impactantes da palestra, está: “as pessoas não são felizes porque ganham muito dinheiro. Elas são felizes e, portanto, ganham mais dinheiro”. Uma das dicas mais valiosas apresentadas pela especialista é reconhecer e trabalhar com as emoções negativas, com ferramentas que as transformem em conhecimento, como o método RAIN, que consiste em Reconhecer, Aceitar, Investigar e Não Identificação.
A relevância do assunto foi tanta que celebridades como Meghan Markle, Selena Gomez e o jogador da NFL Solomon Thomas compartilharam suas experiências pessoais. “Muita gente via que eu não estava bem, oferecia escuta, mas eu não estava pronta. Não dá para forçar esse momento, cada pessoa tem seu tempo e é preciso respeitar”, dividiu a cantora Selena Gomez durante o evento. Em outro momento, lembrou que quando assumiu que podia ter crises de ansiedade e dias ruins, outras pessoas começaram a dividir esses problemas e foi onde se encontrou: “Senti que valia me expor por esses depoimentos”, completou.
Já Thomas, que ao fim de sua primeira temporada na NFL perdeu sua irmã, Ella, para a depressão, compartilhou seus momentos de desafios e como soube que precisava ajudar outras pessoas: “Minha vida parecia perfeita no papel: sucesso, dinheiro, mas por dentro eu estava morrendo. Minha mãe me incentivou a dividir meus sentimentos e logo muitas pessoas me agradeceram, dizendo que lutavam com pensamentos parecidos e que minha história os tinha dado força. Se você é humano, você é vulnerável”.
A questão climática foi uma das trilhas de conteúdo que merece destaque. Para contextualizar melhor a urgência da discussão, de acordo com dados do estudo Global Catastrophe Recap, da seguradora Aon, foram cerca de 75 mil mortes e perdas econômicas que ultrapassaram US$ 295 bilhões somente nos três primeiros trimestres de 2023 em decorrência dos eventos climáticos extremos.
Ao focar no recorte brasileiro, da pesquisa, os prejuízos, no mesmo período, chegam a US$ 555 milhões, sendo quase metade oriundos das fortes chuvas de junho que fizeram o Rio Grande do Sul sofrer a morte de 16 pessoas.
O painel “Edifícios Fortes, Inteligentes e Seguros para Sobreviver aos Grandes Impactos do Clima”, com Chrissi Antonopoulos, do Pacific Northwest National Laboratory, Ed Barsley, do The Environmental Design Studio, Jennifer Castenson, da Forbes, e John Rogers, da CoreLogic acentuou conversas sobre os riscos climáticos, que vão desde ondas de calor, pelas quais temos sido impactados aqui no Brasil, até inundações e incêndios florestais e o quanto o design e o desempenho das construções podem oferecer proteção, salvar vidas e economizar bilhões de dólares.
Os especialistas dividiram alguns modelos de casas resilientes ao clima usando recursos já existentes. Na Dinamarca, para sobreviver ao aumento do nível do mar e às inundações urbanas, nasceu o projeto ‘Land on Water’, em que estruturas são construídas sobre a água com plástico reciclado. As casas flutuantes podem ser transportadas e montadas das mais variadas formas. Além da sustentabilidade obtida por meio da reutilização do material, a estrutura ainda consegue preservar a biodiversidade local, com um habitat que não afeta aquele bioma marinho.
Outro exemplo de match com tecnologia para contribuir com a agenda do clima foi o bate-papo entre Amy Freeze, da FOX Weather, Rayid Ghani, da Carnegie Mellon University, Isabel González Whitaker, da Moms Clean Air Force / Ecomadres, Environmental Defense Fund, e Julia Kostova, da Frontiers, que trouxe a inteligência artificial como aliada ao mostrar seu potencial para mapear áreas de risco, prever desastres naturais, apoiar respostas de emergência e incentivar ações concretas, desde que seus modelos sejam treinados com dados de qualidade e levando em conta a perspectiva de comunidades vulneráveis.
Ainda sobre a preservação do ecossistema aquático, Grace C. Young do antigo Google X, laboratório de inovação da Alphabet que se tornou uma divisão independente, lançou um projeto com satélites lunares, denominado Tidal, para ter mais visibilidade desses biomas. O propósito é trabalhar a diminuição da poluição e deixar algumas atividades, como a pesqueira, mais sustentáveis, por meio de câmeras e sensores submarinos para monitorar a saúde de peixes em viveiros de aquicultura.
Ainda há muito para digerir sobre os conteúdos levantados nas trilhas do SXSW e a vontade é de escrever mais umas cinco páginas sobre este assunto. Mas, por enquanto, ficam essas provocações que devem invadir meu cotidiano nos próximos meses.
Alessandra Gardezani