A região do Boulevard Olímpico, na Zona Portuária do Rio, viveu uma semana agitada neste começo de outubro com a realização da Rio Innovation Week, que chegou à sua terceira edição. Durante quatro dias, dezenas de milhares de pessoas circularam entre os antigos armazéns de carga do Píer Mauá, um lugar que graças aos jogos da Rio 2016 renasce e se mostra como uma das melhores escolhas da cidade para receber eventos de grande porte. Ainda que sejam precisas melhorias na logística e na organização, principalmente no acesso das pessoas.
Foram precisos enfrentar calor forte e sensação térmica nas alturas para escolher o que assistir entre as 1,7 mil palestras da programação. Uma angustiante sensação de que tudo acontece ao mesmo tempo e que alguma coisa interessante estava ficando pra trás. Tudo girava em torno de apontar tendências para o futuro e para onde vamos na luta para tornar o planeta um lugar mais sustentável e justo de se viver. E num ambiente às margens da Baía de Guanabara, com um visual belo de suas águas, da ponte Rio-Niterói e do Museu do Amanhã.
Atraídos por nomes como Anita, Luciano Huck e Xuxa, multidões se apertaram para conseguir entrar nas salas mais concorridas. Com dezenas de painéis acontecendo simultaneamente, não era fácil para os presentes escolher e montar a sua melhor grade de palestras. Mas com um pouco de planejamento e sorte era possível descobrir bons temas e aprender um pouco sobre como a inovação pode gerar avanços em tudo que cerca nossas vidas.
A presença de Anita aliás foi um fator de sorte para quem foi assistir Ailton Krenak, o primeiro representante do povo indígena a ocupar uma cadeira dos imortais na Academia Brasileira de Letras. A cantora pop star internacional e o líder indígena falaram no mesmo horário em painéis diferentes e distantes um do outro. O que dividiu a atenção do público. Sorte de quem escolheu Krenak, que além de escapar da confusão provocada pelos fãs da Anita, pode compartilhar de suas ideias e opiniões muito lúcidas sobre a nossa sociedade.
O líder indígena, ambientalista, filósofo, poeta, escritor brasileiro da etnia indígena krenaque falou um dia antes de ser eleito imortal da ABL. Um critico ferino de como os seres humanos maltratam o meio-ambiente, Krenak apontou a cultura ancestral do povo da floresta como capaz de fazer melhor leitura do tempo do que qualquer invenção tecnológica. Coragem dos organizadores de ter num evento onde se veneram os avanços da tecnologia, uma voz que condena muitos destes avanços.
“A sustentabilidade é um mito corporativo. Quando inventaram o plástico ele era sustentável. Até que ele começou a comer a gente”, disse Krenak, levantando alguns aplausos da plateia. Sobrou até para a Inteligência Artificial, a grande vedete dos novos tempos. “Será que vamos renunciar aos nossos sonhos em favor da técnica”, comentou o indígena sobre a IA estar ocupando tarefas que antes eram feitas por seres humanos.
Quem conseguia circular desviando de imensos robôs humanoides, driblando drones gigantescos e passando por entre carrocerias dos novos carros elétricos, chegava nos galpões dos armazéns onde aconteciam os painéis.
A agenda ESG e a diversidade foram temas recorrentes em muitas palestras, mostrando a importância do assunto no mundo corporativo.
Vários executivos de empresas falaram um pouco sobre os desafios na hora de se criar um projeto legítimo de diversidade na jornada das empresas.
“Para implementar uma agenda de ESG não precisa ter uma agenda gigantesca. Mas precisa dar os passos certos”, disse Tatiana Mafra da BW Energy.
Alguns palestrantes vieram de favelas para mostrar a importância de se investir nos talentos de grupos minorizados para ajudar nesta construção do social nas empresas. “A periferia tem tecnologia de ponta e está trazendo soluções de inovação. Porque a gente precisa sobreviver”, disse Juliana Coutinho, da Visão Coop.
Uma lição que está mais do que clara no mundo ESG é que é preciso gerar inclusão produtiva. As pessoas precisam aprender a ganhar dinheiro e não ganhar de bandeja seus pratos de comida. Essas lições vêm da favela, onde se empreende por necessidade e não por vocação. Ou seja, quem quer investir em inovação precisa buscar soluções que vêm da diversidade.
Um pensamento recorrente entre os palestrantes é que uma jornada de diversidade para ser bem-sucedida, precisa vir acompanhada da inclusão. “Não adianta apenas aumentar o numero de negros e mulheres nas empresas sem que com isso venha um programa eficiente de tornar essas pessoas se sentindo acolhidas e pertencentes ao lugar onde trabalham. Esse processo precisa ser feito com paciência e sem pressa. Para as lideranças, lidar com times heterogêneos é mais difícil, mas dá mais resultados a longo prazo”. Disse Suelen Marcolino, head de diversidade e inclusão no Linkedin.
E como ninguém é de ferro, para complementar a agenda de eventos, dois palcos montados na pista do píer encerravam o dia com boa música ao vivo. Assistir ao pôr do sol tendo como cenário uma Baía de Guanabara, mesmo que ainda sofrendo com os efeitos da poluição, é um espetáculo que só o Rio pode proporcionar. A Rio Innovation Week se encerra com um saldo positivo. Talvez o maior deles seja a de que a maior inovação que a cidade pode ter é ser capaz de atrair eventos de grande porte. E que para isso é preciso saber receber. Principalmente com investimento em segurança pública, infraestrutura e organização. O Rio merece essa virada.
Marcelo Moreira, Diretor da DiversaCom